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Maringá,23/10/2024

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    Zona Livre - Diniz Neto

    O Lutador

    Porque hoje é 20 de outubro

    Foto: Reprodução
    O Lutador Carlos Drummond de Andrade: no Dia do Poeta, vale ouvir na sua voz o poema O Lutador



    O Lutador 
    Carlos Drummond de Andrade 

    Lutar com palavras
    é a luta mais vã.
    Entanto lutamos
    mal rompe a manhã.

    São muitas, eu pouco.
    Algumas, tão fortes
    como o javali.
    Não me julgo louco.
    Se o fosse, teria
    poder de encantá-las.
    Mas lúcido e frio,
    apareço e tento
    apanhar algumas
    para meu sustento
    num dia de vida.
    Deixam-se enlaçar,
    tontas à carícia
    e súbito fogem
    e não há ameaça
    e nem há sevícia
    que as traga de novo
    ao centro da praça.


    Insisto, solerte.
    Busco persuadi-las.
    Ser-lhes-ei escravo
    de rara humildade.
    Guardarei sigilo
    de nosso comércio.
    Na voz, nenhum travo
    de zanga ou desgosto.
    Sem me ouvir deslizam,
    perpassam levíssimas
    e viram-me o rosto.
    Lutar com palavras
    parece sem fruto.
    Não têm carne e sangue…
    Entretanto, luto.


    Palavra, palavra
    (digo exasperado),
    se me desafias,
    aceito o combate.
    Quisera possuir-te
    neste descampado,
    sem roteiro de unha
    ou marca de dente
    nessa pele clara.
    Preferes o amor
    de uma posse impura
    e que venha o gozo
    da maior tortura.


    Luto corpo a corpo,
    luto todo o tempo,
    sem maior proveito
    que o da caça ao vento.
    Não encontro vestes,
    não seguro formas,
    é fluido inimigo
    que me dobra os músculos
    e ri-se das normas
    da boa peleja.


    Iludo-me às vezes,
    pressinto que a entrega
    se consumará.
    Já vejo palavras
    em coro submisso,
    esta me ofertando
    seu velho calor,
    aquela sua glória
    feita de mistério,
    outra seu desdém,
    outra seu ciúme,
    e um sapiente amor
    me ensina a fruir
    de cada palavra
    a essência captada,
    o sutil queixume.
    Mas ai! é o instante
    de entreabrir os olhos:
    entre beijo e boca,
    tudo se evapora.


    O ciclo do dia
    ora se conclui
    e o inútil duelo
    jamais se resolve.
    O teu rosto belo,
    ó palavra, esplende
    na curva da noite
    que toda me envolve.
    Tamanha paixão
    e nenhum pecúlio.
    Cerradas as portas,
    a luta prossegue
    nas ruas do sono.



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