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Maringá,24/11/2024

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    A. A. de Assis

    A eleição da Vênus

    Crônica

    Reprodução
    A eleição da Vênus

    Era, sem dúvida, uma escola de samba muito original, descontraída até no nome: “As Vaporosas’”, que aliás na época andava em campanha arrecadatória de fundos. Não exatamente com vistas a cobrir os ditos das cujas; muito pelo contrário: o povão tanto mais aplaudia as moças quanto mais ventiladas fossem. Os fundos seriam para reequipar a bateria, comprar novas fantasias, adornos diversos e outros ziriguiduns.

    Os diretores decidiram que para animar a campanha (e aumentar o ganho com a venda de talões de votos) haveria de surtir bom resultado a eleição de algo assim como rainha ou miss, porém que não fosse uma coisa nem outra. “Vamos pedir umas ideias ao professor Polyclínio”, sugeriu um dos participantes da reunião, e lá foram eles consultar o sábio da cidade.

    Machadiano havido e celebrado como dono da maior biblioteca do lugar, o velho e respeitado mestre sintonizou a inspiração nas graças da Grécia antiga, coçou o cavanhaque, riu por dentro, botou pra fora a solução: “Elejam a Vênus Calipígia. Nenhum título expressará mais abundantemente o essencial nas artes do requebrado...”

    “Vênus Calipígia!”, repetiu de boca unânime a diretoria das “Vapinhas”. Todos tinham razoável noção do que fosse Vênus. De “calipígios”, contudo, pareciam pouco entender (será?). Mas o professor falou, tava sancionado.  Soava bonito, gordo, macio, chique, solene. “Vênus Calipígia” ficou sendo o epíteto.

    Operava-se a venda dos votos durante os ensaios da escola de samba, assim de gente nas arquibancadas, o animador com o microfone em punho assanhando as torcidas, as candidatas calipigiando na passarela.

    “Reparem no calipígio dela!”, provocava com seu vozeirão barroco o inocente espíquer. Bum-bum... bum-bum... bum-bum-bum, ritmavam onomatopaicamente os bumbos, como se soubessem traduzir o grego.

    A claque de cada concorrente gritava hip-hip-hurras, sacudia bandeirolas, levantava faixas, enquanto a comissão julgadora fazia o maior suspense.

    Abertas, afinal, ruidosamente, as urnas, a falta de iniciação em cultura clássica fez diferença mínima. A intuição do eleitorado mostrou-se mais uma vez atenta e por polpuda maioria de votos deu o título a Margaridinha Pureza, sedutor arranjo de rotundas, bem-distribuídas e bronzeadíssimas virtudes.

    Ah, sim, quanto ao significado de “calipígio”, o pessoal das “Vaps” só deu pela coisa bem depois, quando um dos diretores, por acidental curiosidade, resolveu conferir no dicionário. A partir daí nenhuma outra Vênus se fez eleger por lá.

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    Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 20-11-2024
    A. A. de Assis


     



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