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Maringá,22/12/2024

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    Os venezuelanos refugiados há 9 meses em embaixada sob custódia do Brasil: "Maduro sabe que somos civis desarmados e indefesos"

    Refugiados estão sem abastecimento de energia elétrica e sem água

    g1.globo.com
    Os venezuelanos refugiados há 9 meses em embaixada sob custódia do Brasil: Claudia Macero (esq.), Pero Urruchurtu e Magalli Meda são três dos opositores refugiados na Embaixada argentina (sob custódia do Brasil) em Caracas desde o mês de março | Reprodução X de Pedro Urruchurtu

    EPA via BBC
    "A obrigação moral de resistir": esta é a mensagem fixada no perfil do X, antigo Twitter, de Pedro Urruchurtu, coordenador internacional da campanha de Maria Corina Machado e Edmundo González para as eleições presidenciais da Venezuela de 28 de julho.

    Ele e outros opositores estão refugiados há nove meses na Embaixada da Argentina (sob custódia do Brasil) na capital venezuelana, Caracas.
    O grupo chegou à embaixada no dia 20 de março, quando a Procuradoria-Geral da Venezuela (ligada ao governo) os acusou de delitos como "conspiração" e "traição à pátria".

    A Argentina admitiu em um comunicado que os acolheu "com base na inviolabilidade consagrada na Convenção de Viena [Áustria], da qual as duas nações, Argentina e Venezuela, são signatárias".
    A embaixada da Argentina está sob a custódia do Brasil desde agosto, depois que o governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro revogou a autorização concedida aos diplomatas argentinos para que permanecessem no país.

    As autoridades defendem que, na sede diplomática, os refugiados planejaram supostos atos terroristas.
    Nestes nove meses de asilo, a oposição venezuelana e os próprios refugiados na embaixada denunciaram a prática de assédio à sede diplomática de diversas formas.

    Há algumas semanas, eles denunciam, por exemplo, que estão sem abastecimento de energia elétrica e sem água.
    Centenas de pessoas já foram detidas, antes e depois das eleições de julho.
    O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela anunciou Maduro como vencedor, sem publicar as atas detalhadas com os resultados do pleito.

    Os membros do CNE, em sua maioria, foram nomeados pelo governo.
    A oposição denunciou a ocorrência de fraude, publicando mais de 80% das atas, que evidenciavam o triunfo de González.
    O candidato teve que sair do país e agora está na Espanha. E a líder da oposição Maria Corina Machado, que foi impedida de concorrer, vive na clandestinidade.

    Como muitos outros mais, os dois são acusados de "traição à pátria", entre outros delitos. E seis opositores ficaram refugiados na embaixada argentina, sem saberem por quanto tempo ainda conseguirão resistir.

    Na noite de sábado (21/12), a Iniciatica Democrática da Espanha e das Américas (Idea), grupo que reúne ex-chefes de Estado, publicou uma nota em que expressa "preocupação e escândalo" diante de uma suposta invasão armada da embaixada argentina em Caracas.

    O grupo diz que houve uma "aberta violação da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas".
    A Idea denuncia que um dos seis asilados, Fernando Martínez Mottola, foi detido nessa invasão para "implicar seus companheiros em atividades golpistas" e pede "uma ação da Organização dos Estados Americanos e da União Europeia" sobre o caso.

    Já o Ministério Público venezuelano afirmou que Mottola, que foi ministro dos Transportes e Comunicações durante a presidência de Carlos Andrés Pérez, na década de 1990, saiu da embaixada e se apresentou voluntariamente às autoridades no dia 19 de dezembro.
    Segundo a nota do órgão, ele "decidiu colaborar ativamente com a justiça venezuelana".

    Com Pedro Urruchurtu, estão refugiados Magalli Meda, diretora de campanha da líder da oposição, Maria Corina Machado; Omar González, Claudia Macero e Humberto Villalobos, colaboradores do partido Vente Venezuela, liderado por Machado.
    Fernando Martínez Mottola, ex-ministro e assessor da Plataforma Unitária Democrática (PUD), estava com o grupo até recentemente, mas não se encontra mais na embaixada — a oposição fala que ele foi detido; o governo diz que ele se entregou voluntariamente.

    "É uma situação estressante, sufocante", disse Urruchurtu à imprensa.
    "É claro que, depois de nove meses e, particularmente, destas três semanas [sem luz], existe um desgaste emocional. É natural, com a distância da família, na época do ano em que estamos, com as pressões existentes e as ameaças."


    A filha de Magalli Meda, Eugenia Olavarría Meda, mora na Espanha. Ela tomou conhecimento da situação por uma amiga, quando sua mãe já estava refugiada.
    "Havia rumores sobre as ameaças há tempos, desde dezembro de 2023", ela conta, da Espanha, para a BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC).

    "Até que elas se materializaram, se tornaram realidade."
    Em março, a Procuradoria-Geral da Venezuela emitiu uma ordem de prisão contra todo o grupo. O órgão os acusava de estarem vinculados a supostos atos de violência para desestabilizar o governo.

    O procurador-geral, Tarek William Saab, declarou que eles se envolveram em uma trama conspiratória, que incluía ataques a quartéis militares e manifestações, entre outras ações violentas.
    Os opositores venezuelanos refugiados na Embaixada da Argentina em Caracas.

    Ao longo de 2024, especialmente depois das eleições de 28 de julho, o governo venezuelano deteve centenas de pessoas.
    No início de agosto, Maduro afirmou que havia "2.229 terroristas capturados". O último relatório da ONG Foro Penal informou que 1.903 pessoas estavam "presas por motivos políticos".

    Eugenia Olavarría declarou que estava mentalmente preparada para o caso de que sua mãe precisasse buscar refúgio, mas não para "o primeiro assédio, em 29 de julho, quando a embaixada foi cercada".
    O ato ocorreu logo depois das eleições.

    A oposição e parte da comunidade internacional consideram o anúncio de Maduro como vencedor sem a apresentação das atas do pleito como um ato fraudulento.
    A embaixada ficou sem água, sem eletricidade, e foi cercada pela Polícia Nacional Bolivariana.

    E houve uma tentativa de entrar no imóvel naquela noite, sem sucesso.
    "Estamos sem eletricidade desde 23 de novembro, vimos que houve uma mobilização para isso e não recebemos nenhum aviso", diz Urruchurtu.
    "Veio um veículo da Corpoelec, a empresa do Estado responsável pela eletricidade, e simplesmente levou os fusíveis.

    Uma empresa estatal se prestou a assediar e cortar os serviços para uma embaixada. Acredito que esta seja a maior prova de violação da Convenção de Viena." 

    O Ministério de Relações Exteriores da Argentina denunciou a "perseguição" à sua sede diplomática. Já a chancelaria venezuelana declarou ter reagido às "ações de ingerência" do governo do presidente argentino, Javier Milei, ao "desconhecer os resultados eleitorais".

    A Venezuela exigiu que o governo argentino retirasse seu pessoal diplomático do território venezuelano e, em agosto, o Brasil assumiu a representação diplomática do país vizinho.
    Desde então, a oposição e os refugiados denunciam perseguição contínua ao edifício.
    O ministro de Relações Interiores, Justiça e Paz da Venezuela, Diosdado Cabello, declarou: "Não sei por que ele [Milei] diz que estão assediando sua embaixada. [...] A Embaixada da Argentina está aí. Eles verão. Que paguem a luz, então. Que paguem os serviços. Também não iremos dar nada de presente para eles."

    Sem água, nem luz – só comida

    A falta de eletricidade não é o único problema enfrentado pela embaixada, conforme denunciado. A oposição declarou que também foi cortado o abastecimento de água potável.
    Devido à escassez de água na Venezuela, muitos lugares instalaram tanques de armazenamento. Mas eles funcionam com motores elétricos.
    "Como não há eletricidade, a água não chega", explica Olavarría Meda.

    O fluxo de água costuma chegar à embaixada às terças ou quartas-feiras, mas em pouca quantidade. Por isso, eram normalmente usados tanques adicionais, o que não foi possível nas últimas três semanas.
    "A pouca água potável que entrou veio literalmente por autorização das forças de segurança, que decidem quando, quanta água e como ela entra, o que é imensamente grave", diz Urruchurtu.

    Não há sinais de melhora da situação, segundo os relatos.
    "Hoje consegui falar com ela [minha mãe] às quatro da manhã, horário dela, quando é ligado o aparelho [gerador elétrico]... para ver se ela conseguiria lavar o rosto", conta Eugenia Olavarría. "Quando o aparelho acaba, ela não pode falar. Os dados [do celular] são complicados."

    Mas seu testemunho indica que as penúrias não acabam por aqui.
    "Havia motociclistas das empresas privadas que faziam delivery [entrega a domicílio], mas que, agora, não querem atender aos pedidos de alimentos, de remédios", explica ela.

    Ela conta um episódio específico. Há alguns dias, depois do corte da luz, um dos refugiados, Humberto Villalobos, teve um acidente. "Ele quebrou o joelho, recebeu pontos. Precisa de artigos de farmácia."
    "Quando deixam entrar os entregadores, eles fazem perguntas incômodas", conta Urruchurtu. "Eles os acusam de colaborar com terroristas, por exemplo. Isso aumenta o clima de terror generalizado, que faz com que eles tenham medo de vir até aqui."

    "Estamos racionando tudo. A pouca eletricidade que temos, a pouca água que entra, a questão dos alimentos e primeiros socorros, medicamentos etc. É complicado com o assédio."
    Além disso, tudo o que entra ou sai da residência é controlado.
    "O regime tira fotografias de tudo. Sabe tudo o que existe. Sabe que somos seis civis desarmados e indefesos."

    "Eles ficam cada vez mais isolados", diz Eugenia Olavarría Meda. "São ameaçados de todos os lados. Estão apenas sobrevivendo. Tenho vergonha até de perguntar como eles limpam os pratos."
    No seu programa semanal Con el Mazo Dando ("Batendo com o martelo" – expressão que, em espanhol, significa "trabalho duro"), transmitido pela TV estatal venezuelana VTV, o ministro Cabello comentou sobre "a farsa dos asilados na embaixada argentina".

    Ele reproduziu um vídeo mostrando supostas fotos de garrafões de água, com a legenda "entrega de água potável na Embaixada da Argentina".
    Cabello também exibiu outras fotos de uma piscina, supostamente na sede diplomática, cheia de água e imagens dos refugiados. Segundo a legenda na tela, eles estavam "comendo churrasco".

    'Terror psicológico'

    Eugenia Olavarría denuncia que, agora, os opositores refugiados "se sentem mais espionados e vigiados do que nunca, pois colocaram vigilância nas casas em volta [da Embaixada]. Sobretudo na que fica ao lado. Eles expulsaram os vizinhos."

    Há uma semana, surgiu a informação sobre uma suposta busca em casas próximas à sede da Embaixada da Argentina em Caracas.
    "O procedimento, segundo a denúncia nas redes sociais, teria sido realizado por funcionários da Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM)", segundo informou a imprensa local.

    A informação não foi confirmada por autoridades do Estado venezuelano, nem pelos dirigentes da oposição.
    "Vimos homens armados, particularmente na casa que fica ao lado", contou Urruchurtu. "Há pouco tempo, saíram algumas fotos deles, com armas longas, de assalto. É muito angustiante."
    "Soma-se a isso a presença de patrulhas no lado externo, de forma permanente. Ou seja, é um assédio permanente e, além da questão da falta de serviços, existe a presença das forças de segurança."

    "O governo venezuelano não só negou os salvo-condutos, mas também adotou ações de perseguição inaceitáveis: corte de luz, água, impedimento de entrada de alimentos, presença de funcionários do regime nas proximidades", destacou o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Gerardo Werthein, em uma sessão especial da Organização dos Estados Americanos (OEA), convocada especialmente para discutir a situação dos asilados na Embaixada.

    "Isso viola a Convenção de Viena e a convenção sobre asilo diplomático", prossegue o ministro. "Não podemos permitir que a inviolabilidade das missões diplomáticas seja debilitada. É terror psicológico."
    "Tentamos ficar bem", destacou Urruchurtu. "Tentamos manter a rotina, fazer exercícios. Mas é claro que há dias [difíceis]. Naturalmente, existem altos e baixos."

    À falta de serviços e à vigilância, somam-se as "constantes ameaças nas redes sociais, pronunciamentos, ameaças contra nós. Somos permanentemente acusados sem provas de nada. É difícil manter o ânimo nesta situação de desgaste."

    Esta não é a primeira vez em que um político de oposição requer asilo em uma embaixada na Venezuela. Ocorreu o mesmo com o ex-deputado Freddy Guevara, na Embaixada do Chile, e o político de oposição Leopoldo López, na da Espanha. Mas este caso parece diferente.
    "É a primeira vez em que ocorre um assédio desta magnitude e, ainda por cima, contínuo. É perigosíssimo e marca um precedente gravíssimo", diz Urruchurtu.

    A oposição venezuelana e o governo da Argentina pediram ao governo de Nicolás Maduro o fornecimento de salvo-condutos para que eles possam sair do país sem que sejam detidos.
    "Isso passa por uma negociação e é preciso que haja coordenação entre as partes para que seja possível", destacou Urruchurtu.

    "Pedimos esforços maiores e mais urgentes entre a Argentina e o Brasil, bem como a outros aliados da região e fora dela."
    Até 13 países, incluindo o Chile, República Dominicana, El Salvador e Estados Unidos, apresentaram à OEA uma declaração conjunta, exigindo a "concessão imediata" destes documentos.

    Em maio, quando os refugiados completaram cerca de dois meses na Embaixada, Cabello (que ainda não era ministro, na época) declarou:
    "Não irão nos pressionar. Hoje, acredito que saiu a resposta do governo na Venezuela: negado. Não há salvo-condutos para aqueles que não amam esta pátria."

    'Não é delito'

    Eugenia Olavarría conta que faz poucas perguntas à sua mãe sobre como ela está, como se sente, e que a mãe também, muitas vezes, a protege, se informar o que acontece.
    Mas ela garante que, pelo caráter e modo de ser muito ativo de sua mãe, ela "está em uma realidade muito diferente de ser livre".

    "Minha mãe vive em uma ligação após a outra. Agora, cada vez menos, porque precisa economizar bateria", diz.
    "Ela está em contato constante com voluntários, com ativistas... Ela passa o tempo em uma tela e, na sua vida cotidiana, minha mãe estava sempre na rua, sempre em movimento."


    Olavarría também conta que sua mãe se sente culpada pela situação da família. "Minha avó está no exílio; meu pai, escondido. Esta é uma grande ruptura familiar."
    Como fez Pedro Urruchurtu, Magalli Meda também fixou uma mensagem no seu perfil no X: "Ganhar uma eleição não é delito."

    "É o que ela me diz todo o tempo, que ganhar eleições não é crime, que o que acontece com eles é um ato de guerra."
    Imaginar soluções para esta situação não é fácil. "Tudo é possível por parte do regime", afirma Urruchurtu.

    "Fizemos um apelo à comunidade internacional para chegar a uma saída dentro do Direito Internacional. É nosso direito, pela Convenção de Viena, em caso de asilo."

    "Certamente somos asilados, obviamente, porque recebemos asilo da Argentina, mas também somos reféns. Receamos pela nossa vida."
    "É preciso se preparar para todos os cenários. Se a situação continuar desta forma [sem luz e água], não iremos aguentar este mês", afirma Olavarría.

    "Se devolverem a luz, é possível que os mantenham assim até 10 de janeiro, para ver o que acontece."
    O dia 10 de janeiro é a data em que Nicolás Maduro tomará posse como presidente do país.

    Na Espanha, Edmundo González qualifica o resultado oficial de fraude. Ele reivindica sua vitória e afirma que irá assumir o cargo.

    * Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cly4dq3vdq7o




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